Texto retirado do livro “7 de Abril de 1981 – 10º Aniversário da Morte da Camarada Josina Machel”, organizado pelo Secretariado Nacional da OMM, publicado em 1981.
Artigo de Josina Machel publicado originalmente na Voz da Revolução, janeiro de 1970.
Transcrição por Andrey Santiago.
Fonte: Traduagindo
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Foi em Outubro de 1966, numa reunião do Comitê Central, que a FRELIMO decidiu que a mulher moçambicana deve participar mais ativamente na luta de Libertação Nacional, em todos os níveis. Foi decidido que ela deveria receber treino político e militar, para ser capaz de desempenhar todas as tarefas exigidas pela revolução. Assim, poucos meses depois, nos princípios de Janeiro de 1967, o primeiro grupo de raparigas de Cabo Delgado e Niassa começaram o seu treino. A princípio tratava-se apenas de uma experiência, para ver até que ponto as mulheres seriam capazes de contribuir na revolução – como é que elas usariam a sua iniciativa, se seriam de fato capazes de desempenhar certas tarefas. A “experiência” alcançou grande sucesso, e essas raparigas desse primeiro grupo tornaram-se membros fundadores do Destacamento Feminino. Elas foram colocadas em vários lugares, no interior do nosso País, cada uma com funções específicas. Em breve estava provado que elas eram capazes de desempenhar um papel muito importante na revolução, tanto no campo militar, como político, mas principalmente neste último.
Uma das principais funções do Destacamento Feminino é, naturalmente, como acontece com as unidades militares compostas de homens, participarem nos combates. Em Moçambique, as atividades militares das mulheres estão, geralmente, juntamente com as milícias, concentradas na defesa das zonas libertadas. Desta maneira os homens ficam em parte libertos dessa tarefa de defesa e podem concentrar-se na ofensiva, nas zonas de avanço. Contudo, há mulheres que preferem participar nos combates mais ativos nas zonas de avanço, e lutam lado a lado com os homens nas emboscadas, operações de minas, etc. Elas provaram ser tão capazes e corajosas como os seus camaradas do sexo masculino. Num outro aspecto desta mesma função militar, temos também mulheres trabalhando no Departamento de Segurança, alerta contra a infiltração do inimigo.
Embora sejam muito eficientes no campo militar, a contribuição das mulheres tem ressaltado mais no campo político. Desde 1967, as mulheres têm demonstrado desempenharem um papel fundamental na mobilização e educação política do povo e dos guerrilheiros. Neste trabalho nós explicamos ao povo a necessidade de lutar, que tipo de luta estamos a travar, contra quem lutamos, quais as razões da nossa luta, os nossos objetivos, porque é que escolhemos a luta armada como o único caminho para a independência, quem são os nossos inimigos e quem são os nossos verdadeiros amigos, etc. Nós explicamos o trabalho que estamos a fazer, os resultados que já alcançamos. Explicamos também como até certo ponto dependemos da ajuda estrangeira; quais são os países e organizações que nos dão auxílio, e que, apesar desta ajuda, devemos tanto quanto possível basearmo-nos nas nossas próprias forças.
A este respeito, nós salientamos que o sucesso da revolução depende dos esforços combinados de todos nós, ninguém pode ser dispensado, e assim o papel tradicionalmente “passivo” da mulher deve mudar, de modo que as suas capacidades possam ser utilizadas ao serviço da revolução. As mulheres são encorajadas a falar, a exprimirem a sua opinião nas reuniões, participarem nos Comitês, etc. Aqui nós somos geralmente confrontadas com a tarefa difícil de lutar contra velhos preconceitos, que dizem que as funções das mulheres são apenas cozinhar, tomar conta da casa, dos filhos, e pouco mais. E, precisamente, a nossa experiência provou que nós, mulheres podemos realizar este trabalho de mobilização e educação muito melhor do que os homens, por duas razões: Primeiro, é muito mais fácil para nós aproximarmo-nos das outras mulheres, e, segundo, os homens convencem-se mais facilmente do papel importante da mulher quando tem em frente deles mulheres militantes e capazes, que são exemplo vivo daquilo que elas apregoam. Além disso, as nossas atividades dirigem-se também aos homens, e a presença de mulheres com armas é um elemento muito importante para a mobilização dos homens: eles ficam envergonhados e não se atrevem a recusar aquilo que as próprias mulheres estão a fazer.
Para podermos alcançar o nosso objetivo de sermos auto-suficientes nas áreas libertadas, nós explicamos ao nosso Povo que a produção agrícola deve ser aumentada, de modo a alimentar não só o povo mas também os guerrilheiros, dado que a tarefa principal dos guerrilheiros é lutar, e assim eles muitas vezes não tem tempo para produzir bastante para alimentar as suas bases. Nós necessitamos também de alimentar os nossos camaradas do avanço, onde a atividade militar é constante e a presença de tropas inimigas tornam muito difícil uma produção agrícola regular. Não se trata de convencer o povo a participar na guerra: isto não é necessário, todo o povo está pronto para lutar. Mas ele tem de ser explicado sobre as teses políticas e as implicações da revolução. E embora todos saibam que tem responsabilidade na revolução, precisam de ser orientadas sobre qual o campo em que deverão trabalhar. Uma vez consciente da situação, o povo age sem hesitação. Além de sua ação na produção, o povo ajuda a transportar os feridos e doentes, a transportar material de guerra.
É o povo também, claro está, que fornece os elementos de nossas forças armadas.
Somando-se ao seu trabalho político, o Destacamento Feminino tem também grandes responsabilidades no campo da assistência social. Nós ajudamos e levamos conforto às famílias que perderam os seus parentes na guerra. Este é um trabalho extremamente delicado, que exige muita paciência. Também tomamos conta do orfanato da FRELIMO, que cuida não só dos órfãos, mas também das crianças que estão separadas dos pais devido à guerra. Algumas das nossas camaradas têm treinos de primeiros socorros e assim podem ajudar os enfermeiros nos Centros de Saúde. Muitas das nossas camaradas trabalham também no Departamento de Educação, no programa de instrução de adultos e nas escolas primárias para crianças. Aqui mais uma vez temos de vencer os preconceitos de pais e maridos, que entendem que as mulheres não precisam de ir à escola. Mas pouco a pouco estamos a ganhar a batalha contra esses pais e maridos conservadores: eles estão a convencer-se de que uma mulher com instrução pode contribuir muito melhor para a revolução do que uma mulher ignorante. E como resultado, já temos muitas raparigas nas nossas escolas. Em algumas escolas são mulheres que ensinam – tanto às crianças, como aos adultos. Vemos, portanto, que, além das suas funções estritamente militares, o Destacamento Feminino tem responsabilidades políticas importantes em dois níveis. Num primeiro nível, o Destacamento Feminino está encarregado da mobilização e educação do povo, com vista a aumentar a eficácia de sua participação na luta pelo desenvolvimento da sua compreensão política da guerra. Esta atividade nós realizamos em relação a toda a gente, homens e mulheres, muito embora a nossa ação seja particularmente eficiente em relação às mulheres, que os nossos camaradas do sexo masculino têm mais dificuldades em aproximar.
Uma vez conseguido isto, a nossa ação passa para o segundo nível: o de encorajar o povo a participar ainda mais ativamente, convidando-o a seguir o nosso exemplo, a deixar as suas casas e treinar-se como guerrilheiros, enfermeiros, professores, etc., desta maneira o tamanho do Destacamento Feminino aumentou consideravelmente desde aquele primeiro grupo de “experiência”. E chegamos já ao ponto em que algumas dessas camaradas do primeiro grupo ganharam experiência e conhecimentos suficientes para serem elas próprias instrutoras políticas e militares da sua própria unidade, e ajudaram os seus colegas homens, nas bases, a treinarem os elementos da população.
Na última reunião do Comitê Central, em Abril de 1969, decidiu-se que a Liga Feminina de Moçambique (LIFEMO) deveria fundir-se completamente com o Destacamento Feminino. Nós estamos neste momento no processo de integrar no exército todas as atividades anteriormente realizadas pela LIFEMO. Durante a sua existência, a LIFEMO fez trabalho, mas o desenvolvimento da luta impõe que todos os esforços, todos os trabalhos estejam localizados no interior de Moçambique e, portanto, sejam levados a cabo pelo Destacamento Feminino.
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