Vânia Bambirra acerca da opressão das mulheres latino-americanas no lastro da teoria marxista da dependência




Introdução

O texto ora apresentado tem como propósito resgatar as contribuições da militante marxista Vânia Bambirra, autora que tem uma rica produção em espanhol devido ao exílio impostopela ditadura militar brasileira (1964-1985), pela sua estadia no Chile (1966 a 1973) e, depois, no México (1974 -1979). É pouco conhecida em seu país de origem: o Brasil. As experiências de Vânia em países latino americanos, em destaque para o período vivido no Chile, à época da construção da Unidade Popular Chilena, possibilitaram o seu aprofundamento sobre os estudos da América Latina, da transição para o socialismo nos países dependentes, da teoria do foco guerrilheiro (foquismo) e outros temas relevantes para a militância marxista do seu tempo.

O objetivo principal do texto reside em analisar a produção da referida autora no que tange à situação das mulheres sob o jugo da opressão social e da exploração de classe. A autora vivenciou experiências machistas, mas não se curvou, ao contrário, organizou a luta, por meio de protestos e da agitação política, com bons resultados. Ingressou e participou de forma efetiva em círculos de estudos dominados por intelectuais e militantes homens, ocupando importantes espaços nesses contextos hegemonizados pelas figuras masculinas. 

Foi no período do exílio no Chile que teve contato mais estreito com as mulheres socialistas e suas pautas de lutas, bem como as principais referências marxistas feministas, além da leitura dos clássicos do marxismo, como Marx, Engels, Lenin e outros revolucionários. No campo da literatura feminista se inspirou em Margaret Benston, marxista norte-americana

Com muita firmeza e seriedade em suas posturas ideopolíticas, Vânia vivenciou várias experiências como a fundação da Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (ORMPOLOP), defendeu e visitou Cuba e se colocou em defesa da Revolução Cubana, representando a organização que contribui em sua fundação, militando na ORM-POLOP no período de 1961 a 1966. Em meio a esse contexto histórico, aprofundou-se nos estudos latinos americanos, na transição da revolução ao socialismo e manifestou uma grande preocupação com a condição das mulheres latinoamericanas nas lutas socialistas.

Emprega-se na produção do texto a concepção materialista da história, compreendendo o seu potencial de análise das categorias centrais do fenômeno estudado. Recorremos às fontes publicadas tanto em português quanto em espanhol e, em particular, ao memorial elaborado por Vânia Bambirra e apresentado à Universidade de Brasília (UNB), em 1991, disponibilizado no arquivo criado para armazenar este importante instrumento na manutenção da memória dessa valorosa e destacada marxista da teoria da dependência.

Vânia Bambirra: vida e obra

É muito importante estudar as contribuições dos pensadores brasileiros sobre os estudos da América Latina, em particular de uma estudiosa marxista pouco conhecida no Brasil, mas reconhecida na América Latina e outros países, expondo suas valorosas contribuições nas formulações sobre a economia e as condições históricas dos países dependentes. Referimos-nos à marxista Vânia Bambirra, em seu empenho teórico e metodológico, em conjunto com outros companheiros/as, decididos a compreenderem com muita profundidade as questões estudada à época.

Vânia Bambirra nasceu em Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, no ano de 1940, período da Segunda Guerra Mundial. Sua mãe tinha descendência italiana e tinha origem social numa família rica; seu pai, Ivan de Oliveira Bambirra, foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e exerceu grande influência política sobre a filha. Em uma entrevista concedida ao Instituto de Estudos Latino Americanos, Vânia explica o por quê do sobrenome Bambirra, dizendo que foi concebido de forma criativa. “Meu avô era Braga, mas como chamava de Bamba e ele era birrento, ficou Bambirra”. (Pavan, In: Brasil de Fato, 2015). Vânia cresceu ouvindo os relatos do pai e ideias presentes nos textos marxistas disponíveis em sua casa. Ela conta uma situação em que seu pai doou toda a herança de sua mãe para o partido. Esse episódio fez com que a matriarca nutrisse uma repulsa à militância e ao PCB.

O memorial de Vânia indica o quanto ela era dedicada aos estudos, que lia muito e devorava os clássicos da literatura brasileira, identificando-se com alguns deles, em particular com os que abordavam questões sociais, e chegou a destacar a sua admiração por Jorge Amado, por seu estilo literário e pela licença poética que tanto cativou muitos brasileiros.

Vânia Bambirra, ao se formar em Ciências Sociais, participou de uma seleção para ser oradora da turma, uma exigência à época, tendo concorrido com vários candidatos, vencendo a acirrada disputa. Nesse cenário, os espaços ocupados por mulheres eram poucos e marcados por discriminações e posturas machistas, mas ela as enfrentava, não tinha qualquer receio de encarar os desafios. Destacamos no memorial de Vânia uma passagem que demonstra as restrições à participação feminina nos espaços políticos: “O jornal ‘O Binômio’, estampou, em página inteira entrevista comigo sob o título ‘Em minas Mulher fala por homem’. Mas despeito para falar não era uma questão de auto afirmação do engajamento político de uma geração” (1991, p. 17).

Na década de 1960, no contexto político-social do período, formou-se o grupo dos quatro composto por Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Theotonio dos Santos e Vania Bambirra para se empenharem nessa tarefa hercúlea de analisar criticamente as teorias desenvolvimentistas e da dependência hegemônicas à época, em particular as ideias dos Partidos Comunistas (PCs) e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e se tornarem semeadores da teoria marxista da dependência.

Vania realçou a importância da Revolução Cubana para sua geração e a necessidade de defendê-la diante dos ataques e isolamento impostos pelo imperialismo norte-americano, colocando-se voluntariamente a serviço de sua preservação e avanço. Em seu memorial, Vania recorda de ações realizadas em Belo Horizonte com o referido propósito e afirma que sua “geração foi filha politica da primeira revolução da América latina” e que foram os primeiros a se inscreverem “num voluntariado, por nós criado para ir defender a ilha. Saímos pelas ruas madrugada adentro, pichando as paredes do centro de Belo Horizonte com as palavras de ordem de ‘Cuba si, Ianques no’” (1991, p. 11).

As viagens feitas a Cuba renderam-lhes bons frutos, reacendendo seus ânimos em um cenário tão difícil para os países latino americanos. Suas reflexões se aprofundaram sobre a transição ao socialismo e a primordialidade de avançar no estudos sobre os países dependentes, em particular da América Latina. Numa dessas viagens, chegou a conhecer Che Guevara e ficou muito admirada com sua simplicidade, tenacidade e profundo conhecimento.

O exílio no Chile lhe proporcionou um contato direto com estudos e debates sobre a América Latina, desenvolvidos por vários intelectuais. Santiago estava bastante efervescente nessa época, potenciando os estudiosos e militantes brasileiros, dentre eles os pertencentes ao grupo que Vânia integrava, que nutriam um profundo interesse pela questão da dependência. No período de exílio também trabalhou como pesquisadora no Centro de estudos Socioeconômicos (CESO). Santiago do Chile se tornou uma arena profícua para os estudos latino-americanos.

A maioria das obras de Vânia Bambirra foram publicadas em espanhol, entretanto, temos algumas poucas traduzidas e publicadas em português, a saber: A teoria marxista da transição e a prática socialista, publicada pela Editora da Universidade de Brasília (UNB), em 1983; Cuba - 20 anos de cultura (entrevista), de 1983; e Capitalismo dependente latino americano, publicado pela Editora Insular - IELA, de Florianópolis, em 2012.

Vânia Bambirra no citado memorial sintetiza um pouco de sua trajetória, como observamos na seguinte passagem. O fato de ser filha de comunista perseguido; de haver vivido o impacto da Revolução Cubana no continente; de ter de deixar a UNB e, em seguida, me exilar, devido às consequências do golpe de 1964, de haver participado da experiência da unidade popular no Chile e, de ser obrigada a exilar-me de novo no Panamá e logo no México, de voltar para o Brasil, após a anistia de 1979, retornando a Minas Gerais, e fazer política local, de mudar para o Rio de Janeiro para colaborar com o novo governo, de retornar a Brasília com a reintegração dos professores no processo de abertura política, vem imprimindo a minha existência contornos sui generis (BAMBIRRA, 1991, p. 94-95).

A leitura do memorial de Vânia Bambirra é basilar para conhecer sua trajetória pessoal e profissional, a construção da militante intelectual que muito acumulou do ponto de vista teórico e prático nos estudos da América Latina, tema de grande relevância até os dias atuais. Em meio à profunda crise que estamos vivendo, é de grande relevância reavivar a memória dessa militante marxista, para que as gerações futuras possam se inspirar em questões candentes para o processo de emancipação da América Latina nessa fase decadente do capitalismo. 

O caminho à teoria da dependência e à militância marxista

Discorrer sobre a militância e obra desta grande teórica, marxista, militante, chamada Vânia Bambirra nos remete ao cumprimento de uma importante tarefa de resgatar a relevância que a mesma teve nas formulações marxistas sobre as condições de dependência na América Latina, bem como as contribuições acerca de temas candentes, sobre a revolução cubana, transição do capitalismo para o socialismo e, em particular o problema da emancipação das mulheres, que é o objeto do presente texto.

Muitos autores marxistas brasileiros permaneceram décadas no ostracismo e foram relegados pelo espaço acadêmico, principalmente os ligados ao debate da teoria econômica da dependência, sob a ótica marxista. Vânia Bambirra foi um deles. Na atualidade, vivemos em um momento de recrudescimento do pensamento conservador e de ataques sistemáticos ao marxismo pela direita e extrema direita, portanto, mais um motivo para retornarmos a estes estudos e recuperarmos as contribuições marxistas de intelectuais e militantes.

No ano de 1961, em articulação com outros intelectuais brasileiros, entre eles Theotonio dos Santos, integrou o grupo para defender a Revolução Cubana, que despertava um debate na América Latina, e que apenas em 1962, por força do contexto político e ideológico da Guerra Fria e da luta de classes, avançava na revolução socialista. Bambirra tem uma importante produção sobre a Revolução Cubana, como, por exemplo, a publicação em português intitulada Cuba - 20 anos de cultura (entrevista).

Em 1963, faz uma importante viagem a Cuba e confronta presencialmente a realidade social, econômica e política com os estudos e a defesa que estava fazendo sobre o país caribenho. É importante realçar que Vânia foi representando a organização que militava: Organização Revolucionária Marxista- Política Operária/ORM-POLOP. Ela relata essa experiência: “Esta viagem ratificou todo o meu entusiasmo revolucionário. Fiquei ainda mais convencida de que era importante não só explicar a sociedade, mas sobretudo transformá-la” (1991, p. 20).

A ORM-POLOP surgiu da convergência de algumas organizações da juventude em alguns estados da federação, tais como Juventude do Partido Socialista Brasileira (PSB), do Rio de Janeiro, a Mocidade Trabalhista, de Minas Gerais, a Liga Socialista Independente, de São Paulo, integrantes da Bahia, em especial de Salvador e Ilhéus, dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e alguns militantes e intelectuais trotskistas. Havia uma insatisfação com a política do PCB em relação às posições de apoio à burguesia dita “progressista” e sua caracterização etapista da revolução brasileira, no sentido de uma primeira etapa democrático-burguesa e, somente depois, de uma etapa socialista propriamente dita.

Ainda no ano de 1963, Vania, recém formada, toma conhecimento de uma seleção na UNB, chamada por Darcy Ribeiro. Foi aprovada para o mestrado e para a função de instrutora, ou seja, para dar aula na graduação e na extensão. Extraímos uma passagem de seu memorial, em que Vânia relata sua segunda lição de machismo: “Darcy Ribeiro, hoje meu grande amigo, quem respeito e admiro, se propôs reduzir o meu salário a metade. O argumento era simples: você e seu marido estão trabalhando aqui. Recebem dois salários e vão se enriquecer às custas da universidade. Então vou cortar o seu salário pela metade” (Idem, p. 20).

Vânia Bambirra em todas as suas experiências com posições machistas, misóginas, não teve postura de silenciamento ou de aceitação, como grande parte das mulheres de seu contexto histórico; ao contrário, repudiava veementemente esses comportamentos e fazia movimentos de denúncias dessas ações machistas em todo os espaços. A problematização sobre as condições de opressão vivida pelas mulheres se apresentava como uma questão candente na vida de Vânia Bambirra, percorrendo vários e importantes espaços hegemonizados por homens, em particular, na militância política.

A situação muda completamente com o golpe militar de 1964, no Brasil:

Com o golpe civil-militar no Brasil (1964) e na Argentina (1966), Santiago tornouse o destino principal para a jovem geração de pesquisadores acadêmicos. Antes da experiência chilena, observamos que seus principais formuladores estavam ligados também ao meio acadêmico: Fernando Henrique Cardoso era formado em Ciências Sociais pela USP, desenvolveu sua pesquisa de doutorado e livredocência na mesma instituição, como também era docente uspiano. Os mineiros Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Ruy Mauro Marinho, depois de formados em Administração Pública, a partir de 1962 formam parte do corpo docente da recém fundada Universidade de Brasília (SILVA; COSTA, 2018, p. 29).

É precisamente no contexto social, econômico e político das décadas de 1960 e 1970, que esses autores desenvolvem a chamada Teoria da Dependência:

O termo Teoria da Dependência designa uma extensa, diversificada e original produção teórica nas Ciências Sociais latino americano, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Essa produção foi realizada por uma jovem geração de intelectuais acadêmicos, vindos de países sul-americanos, em em especial Argentina e Brasil. E que confluíram naquele período para a cidade de Santiago (Chile). (...) indagaram como as condições externas (países “centrais” ou imperialistas) expressavam-se nas relações sociais de produção, nas instituições políticas e na produção cultural dos países latino americanos, produzindo nessa região a subordinação política e o subdesenvolvimento (SILVA, COSTA, 2018, p. 15).

Vânia Bambirra, como parte da Teoria Marxista da Dependência, analisa no livro O capitalismo dependente latino americano, o desenvolvimento da dependência dos países latino americanos no contexto do capitalismo mundial:

O capitalismo na América Latina se desenvolveu dentro do contexto da expansão e evolução do capitalismo mundial. Em função disso, assumiu formas específicas que, sem negar as leis gerais do movimento do sistema, configuraram no continente tipos específicos de capitalismo dependente, cujo caráter e modo de funcionamento estão intrinsecamente conectados à dinâmica que assume historicamente o capitalismo nos países centrais (BAMBIRRA, 2013, p. 33).

Após um longo período de exílio, em função do golpe militar, com apoio da burguesia nacional - a mesma chamada supostamente de “progressista” até então pelo PCB - e do imperialismo norte-americano, e início do processo de reabertura do regime democrático, Bambirra retorna ao Brasil e, juntamente com Brizola e Darcy Ribeiro, participa da criação do PDT, sendo que, em 2000, afastou-se do partido que contribui com a formulação do programa. Esse etapa final da vida política de Vânia Bambirra não é objeto do nosso texto, mas a citamos aqui para termos uma ideia de sua evolução. 

No tópico seguinte serão discutidas as contribuições teóricas de Vânia Bambirra em relação às questões do movimento de mulheres em plena ascensão e a aplicação do materialismo históricodialético às questões relativas às opressões vividas pelas mulheres na sociedade capitalista.

Contribuições teóricas e práticas à questão da mulher e o marxismo

Vânia Bambirra transitou nas questões relacionadas à opressão das mulheres, em particular nas economias latino-americanas, caracterizadas por constituições de capitalismo dependente, em relação às potências imperialistas, em particular, o imperialismo norte-americano e pelos desafios a serem enfrentados pelas mulheres em decorrência das relações sociais marcadas pelo machismo, misoginia, confinamento das mulheres aos lares e intervenção nas atividades políticas e de luta contra as formas de exploração e opressão social. 

Como tal, Vânia foi uma dessas mulheres que procuraram entender a realidade dos países dependentes: “Atuando num campo marcadamente masculino, essa mulher esplendorosa constitui uma obra seminal capaz de desvendar os segredos da dependência dos países periféricos, e brilhou com luz própria em meio a outros monstros sagrados como Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini” (Tavares, 2015). Dessa maneira, revela seu interesse em relação à situação das mulheres sob o jugo das opressões do capitalismo em particular do capitalismo dependente. Como bem retratado por Tavares, na citação acima elucidada, Vânia Bambirra não se apequenou e transitou em grupos e círculos acadêmicos formados majoritariamente por homens:

Interessei-me também pela economia política da libertação da mulher. O feminismo estava em auge naquela época, mas em geral, era muito mal enfocado teoricamente, Escrevi então dois artigos, “La mujer como problema en la transición al socialismo e Liberación de la mujer y lucha de clase” que foram publicadas na separata da revista Chilena Punto Final 1971 (BAMBIRRA, 1991, p. 37).

Para tanto, publicou obras importantes sobre essa temática como, por exemplo, La mujer chilena en la transição al socialismo, de 1971, Liberación de la mujer y lucha de clase, de 1972, ambas na Revista Punto Final, e um manuscrito intitulado A propósito del “Año Internacional de la Mujer”. Acrescentem-se ainda as observações realizadas pela autora em seu Memorial.

Sua produção teórica ocorre em um cenário marcado por profundas desigualdades quanto aos direitos sociais e trabalhistas, levando a mulher a uma condição de submissão e naturalização da inferioridade em relação aos homens. Vânia mostra em seus textos o quanto a força de trabalho feminina é explorada no modo de produção capitalista, realidade que reproduz a desigualdade salarial entre os gêneros, criando um perverso processo de opressão das mulheres trabalhadoras, bem como a inculcação ideológica da submissão das mulheres aos homens.

Uma das inspirações de Vânia Bambirra em relação à temática da opressão das mulheres foi a escritora marxista e feminista norte-americana Margaret Benston, que escreveu uma obra intitulada The political Economy of women's liberation. O conteúdo precípuo da obra revela a necessidade de compreender o trabalho das mulheres na economia doméstica e no lar, como parte associada à economia capitalista, representando uma tentativa de teorizar sobre a questão referenciada na aplicação do materialismo histórico-dialético. Destaca-se que durante longos anos, a autora norteamericana foi uma importante fonte de inspiração para muitas feministas marxistas, dentre elas Vânia Bambirra.

Era preciso, pois, compreender a situação das mulheres tanto nos países desenvolvidos, quanto nos países dependentes na América Latina no contexto das relações que as potências imperialistas constroem em relação a estes países. As condições de vida das mulheres na América Latina são muito difíceis e precárias, dependentes economicamente dos homens, sem acesso à escolarização, maltratadas e oprimidas nas relações sociais e familiares, sob justificações ideológicas de naturalização dessa condição reservada às mulheres. A autora se dá conta cada vez mais da importância dos problemas relacionados à libertação da mulher.

No texto Liberación de la mujer y lucha de clases, de 1972, Bambirra afirma:

El sistema capitalista, tanto en los países desarrollados como en los dependientes ha sido incapaz de promover una efectiva “liberación de la mujer”. Y si bien este sistema ha liberado a la mujer del yugo feudal, la ha sometido a nuevas formas de dominación.

En el capitalismo se ha pretendido superar la milenaria familia patriarcal. Pero en la familia de la pareja, que la ha sustituido, la mujer también ha encontrado un puesto subalterno; se ha quedado relegada a las labores domésticas agotadoras y sin remuneración; se ha tratado de incorporarla al proceso productivo, pero esta incorporación ha sido complementaria y restringida y, por lo general, en condiciones más expoliativas. En todo caso, ha resultado en la doble explotación de su trabajo, por cuanto a las labores fuera del hogar se suman las domésticas. Finalmente, la reducción de la mujer a la categoría de objeto nunca ha sido tan utilizada por un sistema como en el capitalista, a pesar de todas las “conquistas” que se han logrado como son algunos derechos jurídicos. (BAMBIRRA, 1972, p. 10).

Tanto as correntes do movimento feminista (burguesas e pequeno-burguesas) quanto as ativistas e intelectuais marxistas procuravam analisar a partir dos seus referenciais teórico-políticos a condição da mulher na sociedade moderna. De fato, entre as feministas liberais burguesas e pequenoburguesas europeias e norte-americanas havia uma visão preconceituosa em relação às mulheres latino-americanas e as mulheres negras. As latino-americanas, no final dos anos 1960 e nos 1970, lutavam contra os regimes ditatoriais e, no caso das mulheres negras, que viviam no continente africano e das mulheres do continente asiático, estavam lutando em favor dos processos de libertação nacional, portanto, suas pautas eram diferentes das feministas europeias e norte-americanas. E muitas destas feministas dos países centrais tinham se distanciado há muito do feminismo marxista, socialista.

As atividades domésticas confinam as mulheres às obrigações do lar. É importante destacar o histórico processo de opressão das mulheres negras na época da escravidão e na pós-escravidão, quando continuaram exercendo as atividades domésticas nas casas dos antigos senhores ou nas famílias da burguesia e das classes médias urbanas, em condições de profunda exploração e opressão, destituídas de quaisquer direitos sociais e trabalhistas

Fora isso, as mulheres negras e indígenas, durante o processo de colonização das potências capitalistas sobre as suas colônias, foram brutalmente violentadas, estupradas e assediadas sexualmente pelos colonizadores e seus representantes. Seus corpos foram objetificados, erotizados, principalmente o da mulher negra. Esta situação marca a história dos países da América Latina, atravessando toda a sua condição de países dependentes e, com a formação de burguesias nacionais débeis, entreguistas ao capital internacional, as tarefas democráticas da revolução democrática burguesa sequer foram realizadas.

Sobre a questão das tarefas domésticas, aliás, vimos como Vânia Bambirra as contextualiza no âmbito do desenvolvimento do capitalismo moderno em sua obra Liberación de la mujer y lucha de clases, de 1972. No manuscrito intitulado A propósito do “Ano Internacional de la Mujer”, a autora desenvolve uma série de posições interessantes sobre essa questão tão presente na vida das mulheres trabalhadoras em todos os países e, principalmente, nos dependentes. 

Una de las supervivencias pré-capitalistas más deplorables que existe en las sociedades latinoamericanas es la situación de las empleadas domésticas. Estas son las esclavas y siervas modernas. Con una jornada de trabajo de más de 12 horas diarias; con un sueldo que no llega nis siquiera, por lo general, a la mitad del sueldo mínimo de un obrero no especializado; prácticamente sin casi ninguna legislación social que la proteja (sin jubilación, sin garantías laborales, sin derecho efectivo a vacaciones remuneradas etc.); sin derecho siquiera a tener las condiciones mínimas de una vida personal (casa, hijos etc.), esta categoría sociales, sin duda, la más explotada del sistema. No ha logrado siquiera las conquistas sociales mínimas que el proletariado ha alcanzado desde hace más de medio siglo en los países capitalistas desarrollados. (BAMBIRRA, s/d)

Considerando essas experiências de luta, bem como as aquisições teóricas do marxismo, Vânia Bambirra diz:

De acuerdo a la concepción marxista, la única solución para terminar definitivamente con la explotación de la mujer es la industrialización de la economía doméstica. Esto es imposible bajo el capitalismo y solo puede ser logrado completamente en una sociedad comunista. Porque la resolución de tal problema supone una economía altamente planificada, supone una nueva orientación en el proceso de producción y de distribución (como por ejemplo la producción prioritaria no de artículos individuales para cada hogar - aunque naturalmente esto se verificará en varias líneas - sino en especial para atender un conjunto mucho más amplio de necesidades públicas, tales como las lavanderías, los casinos, etc.). Supone además una revolución urbanística y arquitectónica en donde, por ejemplo, sea valorizado en los conjuntos habitacionales mucho más el espacio para el esparcimiento y para las actividades culturales que para las actividades de servicios domésticos que pasan a ser atendidos socialmente y sólo secundariamente en el ambiente familiar (BAMBIRRA, s/d), p. 12). 

A luta contra as formas de opressão está, pois, na visão de Bambirra, ligada umbilicalmente à luta contra a exploração das massas de trabalhadores e trabalhadoras. Não à toa, a autora tece críticas às concepções burgueses e pequeno-burgueses presentes no movimento feminista. É o que se observa na seguinte passagem:

(...) a questão da dupla exploração da força de trabalho da mulher trabalhadora, da equivocada formulação dos movimentos feministas, que deforma o enfoque da questão ao não fazer uma diferenciação entre os vários tipos da “categoria mulher”, propugnando uma absurda luta entre os sexos (BAMBIRRA, 1991, p. 37).

Analisou criticamente posições dos movimentos feministas dominantes, mostrando que as correntes burguesas e pequeno-burguesas estavam desconectadas da luta de classes dos trabalhadores e trabalhadoras, que colocava a necessidade da luta pelos direitos sociais e democráticos contra a exploração do capital, contra as opressões e pelo compromisso militante de transformação societária, superando o capitalismo e construindo o socialismo. Para tanto, as reflexões sobre as condições de exploração e opressão social das mulheres latino-americanas se destacaram em suas problematizações. As desigualdades sociais e muitos obstáculos impostos pela divisão sexual do trabalho têm sido um pesado fardo na vida das trabalhadoras.

No tópico seguinte, serão apresentadas reflexões sobre o lugar das mulheres latinoamericanas na organização e na luta e a imperiosa necessidade de erguer bandeiras e pautas de reivindicações que apontem para a perspectiva socialista.

O lugar das mulheres na organização e na luta nos países da América Latina

As experiências acumuladas no Brasil, Chile, México, e em suas visitas à Cuba com as mulheres militantes, comunistas, foram fulcrais para despertar seu interesse na situação das mulheres sob os auspícios do capitalismo na América Latina. Sabe-se que o histórico processo de opressão analisado pelas marxistas revolucionárias e as contribuições de marxistas como Clara Zetkin, Alexandra Kollontai, e outras, abriram possibilidades teóricas e práticas de enxergar essas questões nos países latino-americanos e no avanço dos estudos de mulheres de países dependentes na análise das condições de opressão. Mas era preciso também enfrentar a própria realidade das mulheres trabalhadores dos países dependentes e enriquecer as análises marxistas sobre a questão da mulher. 

dores dos países dependentes e enriquecer as análises marxistas sobre a questão da mulher.

Vânia Bambirra está sob a influência dos calorosos debates da época - quando o feminismo ganhava fôlego -, porém, apresentando críticas ao movimento feminista, particularmente às suas correntes dominantes, burgueses e pequeno-burguesas, Vânia esboça suas preocupações com a questão da mulher, em particular, localizando a participação das mulheres trabalhadoras latinoamericanas não só na luta por direitos e condições de trabalho, mas, particularmente, nas tarefas de transição ao socialismo.

A autora compreendeu a importância da independência econômica das mulheres no processo de emancipação e na luta pela transição ao socialismo, e, nesse sentido, procurou amparo em Lênin para discutir sobre as questões das atividades domésticas, desenvolvendo temas relacionados também à prostituição. Percebeu o quanto as mulheres latino-americanas da burguesia e das classes médias mantinham as mulheres pobres, negras e indígenas subjugadas, oprimidas nas tarefas domésticas e nas necessidades das patroas.

É preciso reforçar uma vez mais que a América Latina estava em meio a um conflito intenso de combate às forças autoritárias e reacionárias das ditaduras militares e à necessidade de avançar na luta de classe. O interesse de Vânia Bambirra pela questão da mulher e o marxismo ocorre neste difícil contexto econômico, político e social internacional, no qual ganha importância o movimento e as reivindicações de mulheres em vários continentes - como também na América Latina -, de modo que era preciso analisar essa realidade do ponto de vista da teoria marxista e das experiências de luta das mulheres trabalhadoras. A produção mais profícua de Vânia se deu exatamente no momento em que esteve exilada no Chile. 

Sabemos que há ao longo da história vários atravessamentos no processo de opressão das mulheres, e Vânia se dedicou a conhecer e analisar as experiências das comunistas chilenas durante o período em que esteve exilada, participando das atividades e assembleias, acompanhando o desenrolar da participação das mulheres na Unidade Popular (UP) Chilena. Havia uma participação efetiva das mulheres nos comitês de unidade popular no Chile com o propósito de construção de uma “via pacífica” para se chegar ao poder e realizar medidas populares e democráticas.

Em se tratando da experiência do processo revolucionário no Chile, Bambirra destacou o seguinte no texto Liberación de la mujer y lucha de clases:

En Chile no se ha alcanzado aún el socialismo y el comunismo es, sin duda, un ideal distante. Se trata pues de poner en el orden del día lo que es posible lograr a corto y mediano plazo sin perder de vista las metas más avanzadas. A corto plazo se deberían plantear las siguientes metas: 1º - La abolición inmediata de todas las leyes que son opresivas para la mujer; (...) 2º Que se empiece a implementar de forma efectiva una serie de medidas, tales como la creación de una amplia red de servicios públicos, las guarderías infantiles, escuelas con seminternados, lavanderías, restaurantes colectivos etc. (BAMBIRRA, 1972, p. 13).

Ainda no plano da experiência do governo popular no Chile, a autora apresenta algumas propostas para responder aos problemas do trabalho doméstico e da prostituição:

En cuanto a las primeras, la meta por lo menos a mediano plazo debería ser tratar de eliminar esta ocupación típicamente servil. Pero la condición para que eso termine es primero la creación de condiciones para que este contingente laboral pueda ser incorporado en las esferas de la vida productiva; y segundo la creación de condiciones para que este tipo de trabajo se torne innecesario (lo que ha sido planteado antes).

Sin embargo, mientras exista se puede de inmediato reglamentar de la forma más completa posible este tipo de trabajo, a fin de garantizar que su jornada de trabajo, su sueldo, etc., sean efectivamente cumplidos de forma a aliviar una situación increíblemente explotadora.

En cuanto a las prostitutas, es cierto que su eliminación exige una transformación de la estructura económico-social. O sea, la eliminación de la necesidad económica que hace que exista la oferta de prostitutas, y una transformación de los valores culturales, que haga que termine con su demanda. Sin embargo, de inmediato se debe por lo menos buscar hacer efectiva una reglamentación que proteja este tipo de mujer mientras él exista.

Pero es necesario tener presente que la mantención de esta “profesión” en las condiciones de un Gobierno popular, cuya meta es lograr el socialismo, es algo inadmisible. En Cuba, por ejemplo, este problema fue solucionado en pocos meses, antes incluso que se hubiera abierto la etapa propiamente socialista de la Revolución. La tarea de incorporación de estas mujeres a la vida productiva debe ser planteada en Chile desde ahora. (BAMBIRRA, 1972, p. 14-15).

Levando em conta as experiências de luta das mulheres trabalhadoras nos países dependentes, Vânia revela que era necessário se amparar no movimento de mulheres classistas, em particular das militantes comunistas, nas produções teóricas de mulheres marxistas, além dos clássicos da revolução russa e nas contribuições legadas pelos bolcheviques. Sabemos que a relação entre o marxismo e o movimento de mulheres é muito complexa, um campo fértil para muitas análises e práticas. Muitas conquistas foram obtidas com a lutas das revolucionárias e dos revolucionários. As revoluções socialistas legaram muitas vitórias às mulheres e temos lições fundamentais a aprender destas magníficas experiências históricas. 

A Revolução Cubana e a organização das mulheres nas conquistas revolucionárias foram uma fonte de inspiração e aprendizado. É importante destacar que as cubanas tiveram participação efetiva desde as guerras de independência e em meio à criação de várias organizações no período pósRevolução de 1959, como a criação, em 1960, da Federação de Mulheres Cubanas.

A referida Federação de Mulheres Cubanas teve como fundadora Vilma Espín Guillois, combatente em Sierra Maestra e companheira de Raul Castro. As mulheres cubanas tiveram algumas conquistas importantes e enfrentaram a tarefa de elevação do nível político e ideológico das massas femininas para contribuírem com a construção da nova sociedade e com a tarefa de formação das gerações futuras.

Apesar das conquistas em relação à construção de creches, aumento da escolarização das mulheres e outros direitos previstos no código da família, é preciso dizer que, em relação à participação das mulheres em cargos e espaços políticos, os avanços não foram inteiramente satisfatórios, pois ainda estavam sob o domínio de posições machistas. Cuba estava sob a orientação política e ideológica do Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (ex-URSS) e foi, em certo sentido, conservadora em relação à família e as questões LGBTQI+. 

O último tópico do artigo se refere a uma síntese geral sobre a visão de Vânia Bambirra sobre o problema da emancipação das mulheres, tarefa intimamente articulada com a transição ao socialismo.

A questão da emancipação das mulheres na visão de Vânia Bambirra

É importante destacar o quanto Vânia também considerou a situação das mulheres nos países de capitalismo desenvolvido, entretanto soube voltar seu olhar para as particularidades dos países dependentes, com base na tipologia criada para caracterizar cada país da América Latina. Outra preocupação presente em seus artigos se reporta à participação das mulheres na luta revolucionária, em busca da luta transitória ao socialismo. Estas questões estiveram relacionadas principalmente às experiencias Cubana e Chilena.

É recorrente em seus artigos a necessidade das mulheres trabalhadoras se libertarem da visão pequeno-burguesa e das visões liberais burguesas, presentes no movimento feminista, e enfrentar o problema da exploração do trabalho feminino sob as determinações do modo de produção capitalista e, portanto, a partir da necessidade da luta revolucionária pelo socialismo:

La lucha por la liberación de la mujer es una lucha política y revolucionaria, que por ser una lucha en contra del sistema capitalista, que mantiene y necesita de la opresión de la mujer, está inserta en el contexto de la lucha de clases y tiene que ser dirigida por la clase obrera, a través de sus partidos y organizaciones de vanguardia. (...) Las mujeres obreras y trabajadoras tienen un doble motivo para ser revolucionarias, pues además de la explotación de clases están sometidas a la explotación en cuanto mujeres. “La teoría cuando penetra en las masas se torna fuerza material”. Hay que divulgar la concepción marxista sobre la mujer. Hay que romper definitivamente los prejuicios que existen aún entre amplios sectores de la tema, hay que mostrarles que el mantenimiento de una actitud machista y que lleva a ridiculizar y a rechazar el enfrentamiento de los problemas de las mujeres, es objetivamente una actitud de defensa de los valores burgueses y contrarrevolucionarios. (BAMBIRRA 1972, p. 15).

Em 1985, Vânia Bambirra participou de um Encontro da Frente de Mulheres, realizado em Havana, com a presença de 300 representantes dos movimentos sociais e intelectuais. Segundo Vânia, “O encontro foi dividido em várias comissões temáticas, a maioria relacionadas a participação feminina na sociedade. Havia uma porém, sobre a situação econômica do continente, e foi nessa que me escrevi junto com a amiga Heleieth Saffioti, pois já andávamos saturadas dos ‘temas tipicamente femininos’” (1991,p. 79). Sem dúvida, trata-se de uma questão interessante: os muitos diálogos que Vânia empreendeu com Heleieth Saffioti sobre as questões relacionadas à opressão das mulheres. De fato, Vânia tinha na amiga uma grande referência. 

Há um relato no memorial de Vânia indicando sua pretensão de desenvolver um projeto sobre a participação das mulheres na luta revolucionária no período de transição ao socialismo. Em uma de suas idas a Cuba, realizou algumas entrevistas com as mulheres cubanas, recolhendo um excelente material para o projeto que estava desenvolvendo:

Eu colocava a análise do problema em termos de classes sociais e ia mais longe, ao destacar que em definitivo, o duplo trabalho dentro e fora de casa- só seria esperado como a industrialização da economia doméstica, o que pressupunha uma sociedade planificada, altamente desenvolvida, socialista (BAMBIRRA, 1991, p. 37).

O desenvolvimento desse estudo sobre a participação das mulheres latino-americanas na transição ao socialismo ficou inacabado, mas a experiência prática de Vânia Bambirra de subversão e de se impor dentro dos espaços hegemonizados por homens e, em particular, nos círculos acadêmicos foi uma marca desta grande e inspiradora militante, se insurgindo, quando necessário, contra as práticas machistas vivenciadas ao longo de sua trajetória. Há também que se destacar o interessante trabalho dela intitulado La mujer chilena en la transición al socialismo (1971), tratando da experiência da revolução no Chile. 

O debate sobre a independência política e econômica das mulheres é candente nas elaborações de Vânia, bem como as posições das mulheres aferradas às tarefas domésticas, com necessidades de emancipação. Além disso, outras questões referentes à vida doméstica, à situação de prostituição no capitalismo, a militância política das mulheres e o problema da emancipação ocuparam um capítulo central nas elaborações da autora. É preciso, pois, que a literatura marxista e do movimento de mulheres reconheça a importância de Vânia Bambirra não só teoricamente, mas também na construção prática do processo de emancipação das mulheres.

Considerações finais

A centralidade do texto foi realçar a importância de Vânia Bambirra e das suas experiências políticas e práticas no âmbito da militância e intelectualidade brasileiras e latino-americanas. Suas contribuições na elaboração da Teoria Marxista da Dependência, sobre os países latino-americanos, em contraposição aos desenvolvimentistas em voga à época, bem como as preocupações com a questão da transição ao socialismo e os problemas candentes relacionados ao papel das mulheres nas lutas revolucionárias e no processo de emancipação são fundamentais hoje. 

Na sua obra está presente o interesse em compreender a difícil situação das mulheres latinoamericanas, sob o jugo de situações opressivas enfrentadas em suas realidades, a exemplo da dupla jornada de trabalho, da exploração, das diferenças de direitos, do confinamento às atividades dos lares e o problema da prostituição, bem como a questão do casamento, que empurra as mulheres para determinadas condições de submissão na família monogâmica.

Foi muito desafiador e interessante percorrer o itinerário histórico desta marxista, pouco conhecida no cenário brasileiro e suas contribuições em relação à participação política das mulheres nas lutas revolucionárias, em destaque para os movimento no Chile e em Cuba. Observa-se que o seu legado ainda é um terreno pouco explorado. O texto cumpriu o papel de apresentar, ainda que de forma embrionária, uma singela contribuição para o campo do feminismo e do marxismo, em particular. É importante destacar que todo o projeto de pesquisa que Vânia realizou sobre as questões relativas à opressão das mulheres não chegou a ser sistematizado em vida, ficando esta pendência para os mais próximos.

Na citada entrevista concedida ao Instituto de Estudos Latino Americanos, publicada também em Brasil de Fato, Vânia faz a seguinte afirmação: “Eu queria entender o mundo, e era o marxismo que me dava instrumentos para isso” (Pavan, In: Brasil de Fato, 2015). Faleceu no dia 9 de dezembro de 2015 no Rio de Janeiro, aos 75 anos de idade. Convém destacar a publicação de um texto no jornal Brasil de Fato fazendo referência a morte da intelectual, bem como a publicização de Elaine Tavares, apresentadora do canal do IELA, mencionando a pequena gigante Vânia Bambirra e lembrando que, em 2013, a referida intelectual marxista tinha concedido uma entrevista, legando informações sobre sua trajetória política para o IELA. A vida e a obra de Vânia Bambirra deve ser resgatada e estudada com afinco pela nova geração de marxistas do nosso país.

Referências

BAMBIRRA, Vânia. A propósito del “Año Internacional de la Mujer”. s/d (mimeo)

BAMBIRRA, Vânia. La mujer chilena en la transição al socialismo. Revista Punto Final, n. 133, Santiago de Chile, junio de 1971.

BAMBIRRA, Vânia. Liberación de la mujer y lucha de clase. Revista Punto Final, n. 151, Santiago de Chile, febrero de 1972.

BAMBIRRA, Vânia. Memorial. Brasília: Fundação Universidade de Brasília, 1991

BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. Florianópolis: Insular, 2013

PAVAN, Bruno. Morre a cientista política e militante Vânia Bambirra. Brasil de Fato, dezembro de 2015.

PRADO, Fernando Correa. Apresentação In: Bambirra Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. Florianópolis, Insular, 2013..

SILVA, Luiz Fernando da; COSTA, Gisele Cardoso. Teoria da dependência e América latina. São Paulo: Sundemann, 2018.

TAVARES, Elaine. Vânia Bambirra, Presente. Florianópolis: IELA, Universidade Federal de Santa Catarina 2015.




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