Original em MELLA, J. A., Los estudiantes y la lucha social, [1927] in: GUANCHE, J. C. (org.), Mella: textos escogidos, tomo I. La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2017. Tradução por Leonardo Godim.
Julio Antonio Mella foi um destacado marxista cubano e latino-americano, dirigente estudantil na Universidade de Havana, fundador do Partido Comunista de Cuba, em 1925, e dirigente do Partido Comunista do México. Os estudantes e a luta social é o primeiro texto de uma série de três artigos escritos por Mella entre fins de 1927 e fins de 1928. Todos eles se propõem a debater o sentido do movimento universitário latino-americano em sua relação com a revolução socialista e anti-imperialista na América Latina. Eles serão publicados separadamente em tradução exclusiva para o TraduAgindo.
Como nas universidades russas de outrora, o estudante se lançou à luta social: à luta revolucionária. Desde 1918, na Córdoba argentina e feudal, até 1923, na Havana antilhana e ianquezada, passando pelo Chile e pelo Peru, a juventude universitária vêm lutando em um movimento que se chama Reforma ou Revolução Universitária. Tem este movimento caráter continental. É, como disse um de seus mentores ideológicos – José Ingenieros -, um sinal dos novos tempos.
Em sucessivos artigos para este jornal, tratarei de fazer uma síntese do movimento universitário na América Latina, ora seja em seu aspecto histórico e social, ora quanto aos seus princípios de luta empregados. Mas, dos três postulados fundamentais da Revolução Universitária: Democracia Universitária, Renovação do Professorado ou Docência Livre, e Luta Social, nenhum é mais importante que o último. O que caracteriza a Revolução Universitária é seu desejo de ser um movimento social, de compenetrar-se da alma e das necessidades dos oprimidos, de sair do lado da reação, passar à “terra de ninguém”, e juntar-se valente e nobremente às fileiras da revolução social, na vanguarda do proletariado. Sem esse guía, sem esse desejo, não há revolução universitária. Poderia-se definir esse magnífico movimento continental como uma batalha no terreno educacional da grande guerra de classes em que está empenhada a humanidade.
Não há nada “livre” na sociedade atual, como pretendem os liberais utópicos. A imprensa? Serve a quem a paga com seus anúncios e ajudas secretas, mas nunca é uma entidade livre para defender todas as ideias e a justiça. Se fizesse isto, sucumbiria; contra o interesse instituído que a sustenta não pode rebelar-se, como não se pode rebelar-se o estômago contra o alimento. A arte? Tampouco é livre. Todas as últimas degenerações que têm ocorrido nesse terreno demonstram, de uma forma clara, que é necessário fazer “arte” para quem o possa pagar, para a burguesia capitalistas e para todos aqueles que assimilaram seu gosto. Só a burguesia decadente pode gostar da arte decadente e “oficial” de hoje.
A riqueza? Falando no sentido da economia, pertence a uma minoria, a uma oligarquia imperialista capitalista estrangeira, que domina o mundo, com o apoio e por meio das burguesias nacionais, simples pedintes da oligarquia anterior. (Falamos daqui da América Latina). Não acreditamos que nenhum estudante honrado suponha certa a assim chamada “liberdade de trabalho” ou “liberdade de contrato”. Entre o capitalista que está empanturrado e pode esperar e o trabalhador que nada possui fora a mercadoria do seu corpo, não é possível, quando se põem frente a frente, que os dois sejam igualmente livres. Daqui surge a injustiça da produção e do consumo das riquezas sociais. O Estado? Somente os “cegos” que não podem ver o que não lhes convém podem afirmar sua liberdade, sua imparcialidade na grande guerra social. O exército, os tribunais, as leis, que interesse defendem? É uma vulgaridade muitas vezes repetida – mas muitas poucas vezes aceita – que o atual Estado não mais é que a proteção dos capitalistas. Poderia-se levar essa análise até coisas mais próximas. Mas bastará hoje o caráter privilegiado e classista da educação.
Quem recebe educação?
Uma simples olhada nas listas de matrículas mostrará imediatamente como os nomes, em sua imensa maioria, coincidem com os nomes das “famílias bem”… “acomodadas”, etc. A educação preparatória e superior não é completamente gratuita. Quem não tenha resolvido o problema econômico de sua vida não pode aspirar a receber essa educação. (O “estudante-proletário” é uma exceção. Mas via de regra, ao que aspira? A servir a classe proletária, onde se encontra, ou saltar até a classe capitalista para “vingar-se de suas misérias de outrora”, por meio do sucesso individual, ou seja, do sucesso burguês?) Até mesmo a gratuidade do ensino primário é uma farsa. Crianças famintas e doentes, filhos de pais também famintos e também doentes, jamais assimilarão, com todo seu valor, nem mesmo o ensino elementar. Ninguém ignora tampouco a enorme porcentagem de crianças trabalhadoras. Quem não compreenda que a educação é um simples privilégio dos capitalistas, privilégio “classistamente” repartido, que abandone todos seus livros, e seguindo o conselho de Nietzsche, se suicide. Este ignorante jamais vencerá em vida, que “vença na morte”.
Mas se esse monopólio geral é verdadeiro, não menos verdade é que, devido à luta travada entre as classes inimigas, os explorados vêm conquistando postos, redutos, que pertencem à linha contrária.
Se tomamos o México, por exemplo, vemos como na arte e na literatura há uma plêiade de artistas e escritores genuinamente revolucionários. Na política e na economia também, de forma que “dentro da carcaça da sociedade atual vai formando-se a nova”. As cooperativas, os sindicatos, os partidos operários, as escolas proletárias, as editoras revolucionárias, etc., são uma demonstração da futura democracia proletária.
Como antes teve a Revolução Francesa, a Russa terá sua projeção na América. Os acontecimentos sociais da Revolução Universitária na América Latina são indícios terminantes da futura transformação política. Não há movimento universitário puro que não se vincule com as camadas sociais e seus problemas.
DEZEMBRO DE 1927
[Texto extraído de Mella 100 años…]
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